Brincar é coisa de criança, e de adulto também! - page 22

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Angela Borba
Maria, ocupando o lugar de paciente, deixa-se examinar, per-
manecendo na mesma posição, mesmo que, em alguns momen-
tos, Fábio pressione o objeto com um pouco mais de força, o que
parece incomodá-la. Maria, porém, controla o impulso imediato,
que seria livrar-se do incômodo, pois isso significaria interromper
a satisfação da brincadeira que estava se estruturando na rela-
ção com Fábio. Ele é o médico, a autoridade, na situação. Fá-
bio, desse lugar, apropria-se de uma atitude de quem sabe, agindo
com firmeza de gestos e palavras. As ações que se encaixam na
brincadeira têm de ser coerentes com os papéis assumidos e as
situações imaginárias compartilhadas pelas crianças. E é interes-
sante ressaltar que as regras, nas situações de brincadeira de faz
de conta, são definidas pelas próprias crianças para elas mesmas,
funcionando como contornos para a autodeterminação interna.
Luisa e Camila estão se locomovendo no corredor da
seguinte forma: Camila está de quatro, sendo puxada por
Luisa, por meio de uma tira de feltro amarrada a sua blusa e
que está na mão de Luisa. Camila faz au, au, au, imitando o
latido do cachorro. Eu pergunto a Luisa: "É seu cachorro?"
Ela diz: "É, e olha o meu filho" (mostra a barriga, que está
aumentada, pois há um pedaço de pano por baixo da blu-
sa). Em seguida, retira o pedaço de pano e mostra: "Olha o
meu neném!" (Anotações de campo, Creche UFF, G2, 2011).
Isso ocorre não apenas com as crianças que, na brincadeira,
ocupam um lugar muito diferente do que são na vida real, por
exemplo, o de pai, em vez de filho, o de adulto, em substituição
ao de criança. Vigotski exemplifica que, mesmo quando duas ir-
mãs se colocam na brincadeira no papel de irmãs, passam a agir
de modo a demonstrar os papéis de irmãs, com base em suas in-
terpretações sobre os limites e possibilidades desse lugar.
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