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Angela Borba
se constituía a sociedade capitalista. Foi no contexto das trans-
formações das relações sociais de produção e do papel da família
na sociedade que se estabeleceu a ideia de infância. Antes, as
crianças confundiam-se com os adultos e sua aprendizagem se
dava no cotidiano, através da participação no trabalho, jogos,
brincadeiras, festas etc. É apenas no século XVII que surge um
novo olhar sobre as crianças, que passam a ser foco especial de
atenção e de afeição por parte dos adultos. No século XVIII,
consolida-se a noção de que as crianças formam um grupo social
específico. O nascimento da infância instituiu uma nova menta-
lidade e moralidade, afastando as crianças dos adultos e criando
a infância como um tempo de crescimento e preparação para o
futuro. Nesse novo contexto, muda-se também o olhar sobre a
brincadeira: o mundo da infância passa a se associar à brincadeira,
e o mundo dos adultos, ao trabalho.
Mas o fato de a sociedade ocidental ter despertado para a
particularidade da criança não significou que tenha conseguido
enxergá-la por completo e torná-la verdadeiramente visível ao
olhar dos adultos. O lugar em que a criança passou a ser colocada
foi o da “in-competência”, “i-maturidade”, “i-racionalidade”: o
lugar da ausência, do vazio que precisa ser completado pela edu-
cação familiar e, principalmente, pela educação escolar.
Uma forma de retirar as crianças dessa invisibilidade é olhar
mais de perto para seus modos próprios de ser, ver e expressar o
mundo, para suas formas particulares de ação. Uma lente que
nos ajuda a construir esse olhar é a noção de que as crianças
constituem suas próprias culturas da infância. Não como um
mundo particular, isolado do mundo mais amplo, mas como uma
reinterpretação que se produz no cruzamento entre a cultura
mais ampla em que a criança está inserida, a cultura produzida