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Literatura infantil: reflexões e provocações
me contou que sua mãe, costureira, um dia pediu-lhe ideias para
um vestido que seria presenteado à prima, no seu aniversário.
Essa professora descreveu, entusiasmada, todos os detalhes do
vestido, de como escolheu o tecido e cada enfeite. Quando a mãe
terminou de fazê-lo, revelou que o vestido era para ela: a história
da prima era apenas um pretexto para não estragar a surpresa.
A professora disse que o vestido da Cinderela sempre lhe remete
àquele que ganhou da mãe. Há tantos vestidos de Cinderela
quanto há leitores de
Cinderela
.
Cada um lê de forma diferente um mesmo texto, e esse texto
é lido pela mesma pessoa de formas diferentes em diversas épocas
da sua vida. O leitor se torna, ele mesmo, um coautor. Portanto,
não é possível que se imponha uma única forma de entendimen-
to. Se fosse assim, a tarefa da criança seria simplesmente confir-
mar a leitura do professor e, ainda, supor que sua interpretação
pessoal estaria errada.
AArte (a literatura está aí incluída) segue outra lógica. Instiga, faz
pensar, sentir e sonhar. A experiência estética provoca a construção
de novos sentidos, uma ressignificação de si mesmo. Por isso, as pa-
lavras do título: “abrir portas, janelas e caminhos”. Não há um lugar
único a chegar, nem mesmo ao tentar descobrir “o que o autor quis
dizer” (mesmo porque frequentemente ele mesmo não sabe). Inquie-
tar-se com um texto é inquietar-se com uma questão nossa – então é
muito mais literário conversar sobre “o que o autor disse
para mim
”.
Muitas vezes, pensa-se no livro literário para ser o detonador
de um projeto. Ou seja, pensa-se o que fazer
a partir
do livro, e
não se pensa
no
livro. A criança passa a associar o texto a algo
que vem depois, e acaba por não perceber o prazer no ato de ler
e de descobrir os sentidos do que se leu, nem apreciar a beleza da
linguagem e do estilo do autor.