Literatura infantil: reflexões e provocações - page 15

229
Literatura infantil: reflexões e provocações
pediam para preservar o objeto, para que todos pudessem vê-lo in-
tacto quando subisse. O moço o pegou com todo cuidado, saiu com
dificuldade do poço e todos quiseram ver de perto. Estranharam o
fato de o caroço ter quatro patas e uma cabeça. Por fim, a solução
do mistério: era uma tartaruga, que havia fugido da casa da vizinha.
A forma como ela nos conta isso é através de cenas que se for-
mam em nossa cabeça e, entre uma cena e outra, vamos criando
o que acontece: imaginamos o moço descendo no poço sem que
isso seja dito, por exemplo.
O poema nos fala de um problema: um caroço, talvez um
“osso duro de roer”, um obstáculo. E está no “fundo do poço”,
como normalmente falamos de situações complicadas, daquelas
que não têm mais jeito. Quando alguém capaz de enfrentar o
problema consegue tirar o caroço de lá, vemos que não era nada
grave: apenas uma indefesa tartaruga. Dois problemas são solu-
cionados: o poço fica livre do “caroço” e a vizinha reencontra
sua tartaruga de estimação. Quantas situações passamos assim,
preocupados com um problema que imaginamos difícil e, quando
vemos de perto, não era nada daquilo?
É interessante como a linguagem propicia esse sentimento:
até a quinta estrofe, temos muitas palavras terminadas em “oço”
ou “osso”, reforçando em nós a sensação de coisa dura, difícil.
Nas duas últimas estrofes, com o problema em vias de solução,
temos a terminação “inha”, que nos traz alívio, intimidade.
A autora não diz logo que era uma tartaruga: faz mistério, nos
“colamos” às pessoas em volta do poço, temos o ponto de vista
­delas olhando uma coisa escura lá embaixo. Quando o moço
pega um caroço com quatro patas e uma cabecinha, temos a mesma
sensação de surpresa que teríamos se estivéssemos vendo a cena:
há um estranhamento, para, em seguida, tudo se resolver.
1...,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14 16,17,18,19,20,21,22
Powered by FlippingBook