O bullying, na atualidade, é uma das maiores preocupações dos educadores. Esse termo, em inglês, refere-se a um conjunto de comportamentos agressivos, intencionais e repetitivos, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), sem motivação evidente, causando dor, angústia e sofrimento e executado dentro de uma relação desigual de poder, tornando possível a intimidação da vítima.
Atinge um grande percentual de alunos (mais de 40% dos estudantes) e apresenta-se na forma de múltiplos atos: apelidar, agredir, difamar, ameaçar, pegar pertences, humilhar, além dos comportamentos que utilizam ferramentas da internet e de outras tecnologias de informação e comunicação para causar sofrimento às vítimas.
Sejam presenciais ou virtuais, as consequências de uma vida em torno do bullying podem ser graves, pois, para as vítimas, o sofrimento atua de maneira a produzir traumas severos, uma vez que “fora dos muros da escola, um jovem que sofre intimidação pode escolher trocar de grupo ou companhia, mas dentro da sala de aula é obrigado a conviver com seus companheiros durante todo seu percurso escolar”. (CONSTANTINI, Alessandro. Bullying – como combatê-lo?. São Paulo: Italia Nova, 2004. p. 74).
É necessário que, no centro dessa reflexão, o bullying seja visto e reconhecido, pois, caso contrário, corre-se o risco de que o desconhecimento torne os olhos dos educadores cegos, com dificuldade de reconhecê-lo e, consequentemente, sem condições de combatê-lo.
Para acabar como esse problema na escola devemos nos preocupar com os sentimentos das crianças, assim como os julgamentos que fazem de certo e errado. Na atualidade tem se tornado cada vez mais difícil ensinar às crianças o que é bom e o que é mau, o que é certo e o que é errado. Ações educacionais baseadas nessas certezas contribuem para educar moralmente as crianças, assim como transformá-las em sujeitos éticos.
“O olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê.” –
Manoel de Barros
Buscando encontrar meios de combater o bullying na escola com base no desenvolvimento de valores morais sólidos, propomos um trabalho que tenha como foco a literatura infantil, visto que estes textos são capazes de criar situações oportunas para a discussão acerca de valores morais, sentimentos e atitudes necessárias para uma convivência saudável, pacífica e solidária.
23 livros de literatura infantil da Editora do Brasil;
orientações sobre os temas formação moral e combate ao bullying associadas aos livros indicados;
boletim do Projeto Ler mais no Ensino Fundamental, com orientações sobre como trabalhar com literatura infantil e fazer a formação de leitores.
Alguns comportamentos são apontados como desencadeadores de práticas de bullying, seja na posição de agressor ou alvo. São eles:
Algumas crianças acreditam que têm mais poder que as outras. Às vezes, esse poder é legitimado por uma condição financeira privilegiada em relação aos demais colegas, porque é maior fisicamente, porque é mais popular etc. Não há uma justificativa única para que alguns alunos se coloquem numa condição superior de poder.
Essa questão pode ser ilustrada por meio do livro O Jacarezinho egoísta, de Chlóris Arruda de Araújo. Com essa obra, podemos levar às crianças a uma importante reflexão acerca do que acontece quando alguém resolve fazer uso demasiado do poder.
A solidão, por exemplo, pode ser uma consequência desse fato. É importante os alunos perceberem que ser um valentão traz, necessariamente, alguns prejuízos a quem faz essa opção.
Na atualidade, as pessoas estão cada vez mais centradas em suas próprias vidas, interesses, necessidades. Isso vem gerando fragilidade nas relações, de modo que a solidão vem tomando conta do coração das pessoas.
O livro A redoma invisível, de Therezinha Malta e Inhandjara da Silva Yamamura, traz uma bonita reflexão sobre esse problema, que contribui para o aumento do bullying na escola. Quanto mais o sujeito estiver centrado apenas em sua vida, mais probabilidade terá de causar sofrimento ao outro, visto que não o reconhece como sujeito que necessita de cuidado.
É comum encontrarmos crianças utilizando brinquedos que lembram armas de verdade. Frequentemente crianças apontam armas umas às outras, “matam” os colegas nas brincadeiras de polícia e ladrão e fazem uso de espadas para intimidar “seus inimigos” no faz de conta. Esses atos levam à banalização do uso da arma, o que, consequentemente, vem a aumentar o índice da violência dentro e fora da escola. Para superar esse problema, utilize o livro O boneco da paz, de Telma Guimarães Castro Andrade, despertando nas crianças a necessidade de reconhecer outros tipos de brinquedos e brincadeiras.
A fofoca é uma manifestação comum do bullying, sobretudo no praticado pelas meninas. Muitas crianças sofrem bastante nas escolas em função de fofocas inventadas por colegas. Utilizar o livro Dona Fofoca, de Regina Rennó, é importante para levar as crianças a perceber como somos capazes de mudar a forma pela qual as histórias, de fato, aconteceram.
A exclusão na escola pode gerar muito sofrimento para quem é alvo dela. Por vezes, as crianças excluem sem nem oportunizar o entrosamento do alvo. Leia com os alunos o livro Meu amigo Etevildo, de Telma Guimarães Castro Andrade. Nessa obra, as crianças poderão perceber que aquele que, de repente, parece mais estranho pode ser nosso grande amigo.
Não há coisa pior do que ser rotulado, sobretudo quando os rótulos buscam nos difamar. Utilize o livro Ninguém é igual a ninguém, de Regina Rennó, para que as crianças percebam isso.
Os apelidos compõem o maior grupo de manifestações de bullying na escola. De todas as práticas apresentadas, apelidar o outro representa 54,2% delas. Para combater esse problema em sala de aula, faça uso do livro Apelido não tem cola. Esse material ajuda as crianças a refletirem sobre o que sentem aquelas que têm apelidos pejorativos, enfocando o sentimento de empatia.
Professor, um exemplo desse trabalho pode ser visto na página 19, na qual a autora pergunta como o leitor se sentiria se estivesse no lugar da menina apelidada.
Além disso, nas páginas 24 a 30 é trabalhada a questão da aceitação dos alvos de bullying, destacando que cada um é como é.
O livro A Bruxinha Domitila e O robô Supertudo, de Edson Gabriel Garcia, também aborda essa questão, enfocando, sobretudo, o ambiente escolar. Nessa obra, os alunos podem refletir sobre algumas atitudes excludentes e humilhantes que temos diante dos outros, percebendo que por vezes as naturalizamos, como pode ser percebido no trecho a seguir.
“A classe recebeu a menina como toda classe recebe um aluno novo: primeiro analisam o aspecto físico e a aparência, depois ouvem a voz, fazem perguntas, descobrem características negativas e procuram encontrar um bom apelido.” (p.9)
Que tal utilizar essa obra e levar os alunos a perceberem que poderíamos, inicialmente, dar oportunidade ao novo colega de mostrar seus gostos, hábitos, conhecimentos e atitudes fazendo perguntas e descobrindo características positivas que nos levassem a encontrar um novo amigo?
“Toda vez que passar por um de nós deverá pagar um pedágio. O Valor do pedágio é um sorriso” (p. 47). Esse trecho mostra como uma amizade pode ser construída por meio de relações pacíficas e bem-humoradas. Ajude os alunos a perceberem que o sorriso de um colega pode ser algo de muito valor.
Trabalhar o problema do preconceito é mudar culturas na escola. Por meio do livro Ri melhor quem ri... no fim!, de Telma Guimarães Castro Andrade, os alunos conseguirão perceber que as bases que sustentam o preconceito são muito frágeis. É importante lembrar que o fato de haver preconceito na escola fortalece a existência do bullying.
“No primeiro dia de aula, apenas um aluno compareceu: o burro.” (p. 11)
Professor, é importante que as crianças percebam que a anta era uma estudiosa. Essa informação nega algo que desenvolvemos com base no imaginário popular: Anta é alguém com pouca inteligência. Esse fato pode ajudar os alunos a romper outros preconceitos.
Outro livro bastante oportuno para abordar essa questão é O menino que tinha rabo de cachorro, do Maurício Veneza. Por meio dessa obra, os alunos podem desenvolver competências relacionais importantes, valorizando as pessoas por suas atitudes e não por suas aparências.
Outro conteúdo bastante significativo tratado na obra é questão da autoaceitação. De modo geral, os alunos alvos de bullying apresentam dificuldades com a percepção que têm deles mesmo; por isso, terminam assumindo a condição de vitimação. Ajudá-los a se enxergar como alguém de valor é muito importante. A leitura dessa obra os levará a pensar que podemos ser aceitos pelos outros sendo nós mesmos.
“Assim, de descoberta em descoberta, descobriram também que, sendo cada pessoa diferente da outra, um rabo até que não era uma diferença tão importante assim.” (p. 22)
Professor, descobrir a si próprio e descobrir, de forma progressiva, o outro é uma importante conquista para minimizar as atitudes de preconceito e, consequentemente, de exclusão.
Para trabalhar esta questão podemos fazer uso do livro E não tinha briga não!, de Márcia Glória Rodriguez Dominguez. Esse livro ensina a trabalhar a questão do respeito às diferenças, ajudando as crianças a perceber que podemos conviver de maneira harmoniosa com as diferenças. O velho ditado “Brigam feito cão e gato” será negado com essa história.
Professor, use esse texto com os alunos levando-os à percepção de que diferentes convivem de maneira harmoniosa. A não aceitação das diferenças é um dos maiores motivos de uma perversa prática de bullying: a exclusão.
Uma prática importante é fazer os alunos reconhecerem os aspectos positivos uns dos outros. Para esta atividade promova uma reflexão em torno do livro O concurso das aves, de Telma Guimarães Castro Andrade. Nessa obra, algumas aves pensam que são mais bonitas que outras, até que conseguem se ver como de fato são: sujeitos que têm defeitos e qualidades.
É que narciso acha feio o que não é espelho... Muitas crianças são extremamente narcisistas. Por se acharem mais bonitas, mais inteligentes, mais populares que outras excluem os colegas. Trabalho o texto do livro ao lado para que os alunos superem esse narcisismo.
Ninguém é igual a ninguém – Regina Rennó e Regina Otero. Nesse livro, as crianças são levadas a reconhecer que cada um é do jeito que é. Esse fato torna a convivência mais prazerosa e possível.
“Já pensou se todos fossem iguais? Acho que as pessoas teriam que andar com o nome escrito na testa para não serem confundidas com as outras.” (p. 11)
Professor, conseguir se colocar no lugar do outro, sendo capaz de sentir seus sentimentos é muito importante. Por meio desse livro leve os alunos a reconhecer o que sentimos quando nos tratam mal e quando nos tratam bem.
Para trabalhar esta questão faça uso do livro Bolos gigantes, de Jonas Ribeiro. Nessa obra, o autor leva as crianças a uma importante reflexão: a solidariedade modifica a vida das pessoas.
O incentivo a paz e a solidariedade estão presentes em quase todos os programas de combate ao bullying. Esse livro, de maneira poética, ajuda às crianças a perceber como podem ser solidárias.
Com o livro Quem pegou minhas pintas?, de Telma Guimarães Castro Andrade, é possível trabalhar a questão da partilha, fundamento para a prática solidária.
“O sabido macaco preparou uma grande surpresa para a onça sem pintas. Combinou com todos os bichos com os quais a onça havia conversado e cada um passou um pouco de suas pintas para o corpo do felino.” (p. 14)
Tratar bem o outro é uma questão importante para combater o bullying, visto que estimula a convivência pacífica entre os sujeitos. Para trabalhar essa questão utilize o livro Seu Gentil, de Regina Rennó. Com essa obra, as crianças poderão refletir sobre a melhor maneira de conviver na escola.
Embora tenhamos essa certeza, devemos propor brincadeiras entre os gêneros, estimulando uma convivência saudável entre os sexos. O aprendizado da sociabilidade passa pelo contato com a diferença. Ao brincarem juntos, meninos e meninas aprendem a se relacionar, a se frustrar e valorizar a diferença. Com o Livro Menina não entra, de Telma Guimarães Castro Andrade, os alunos poderão compreender bem como “um diferente” pode fazer “a diferença”.
As crianças não nascem com empatia e aprendem a regular suas emoções através da interação.
Uma pesquisa preliminar na Universidade de Toronto sugere que as histórias podem agir como “simuladores de voo” para a vida social. Verificaram que estudantes que tinham tido maior exposição à ficção tenderam a se sair melhor nos testes de habilidade social e empatia. (Revista Mente e Cérebro, jun. 2009)
Por esse motivo, indicamos literaturas para que os alunos possam conhecer e explorar seus sentimentos e assim ter mais chances de desenvolver o autocuidado e a possibilidade de cuidar do outro. Esse cuidado está diretamente ligado ao fenômeno do bullying porque a violência é o não cuidado, é a negação do outro.
No livro Coração que bate, sente, de Regina Otero e Regina Rennó, cria-se a oportunidade de exploração de sentimentos e pensamentos das crianças. Por meio da personagem Juliana é possível considerar dois momentos importantes: o primeiro é a indignação com o fato de os outros terem pensado em suas próprias dores antes de acudi-la, e o segundo é a conscientização de que a dor de cada um é de cada um.
Propõe-se assim o desenvolvimento da capacidade de ouvir o outro e de habilidades de gerenciamento de conflitos.
Professor, por ser um livro interativo, você terá potencializado um trabalho que envolve empatia e autoconhecimento. Os alunos podem perceber que precisam “ouvir a voz do coração”, ouvir o outro, pedir ajuda e não sentir vergonha do que sentem. É a abertura de um canal fundamental na resolução de algumas situações apresentadas em seu cotidiano.
Bullying é uma ação intencional revelada por uma inabilidade de lidar com sentimentos e expressa por meio de violência.
O livro Você pode escolher, de Regina Rennó, é uma excelente opção para refletir com os alunos sobre a composição humana: coração (afetivo), cabeça (cognitivo) e corpo (físico). Ao conhecê-la surge a possibilidade de debater sobre o poder de escolha que temos e suas consequências. Isso desenvolve a autonomia moral nos alunos.
“Quando a cabeça não pensa o corpo padece.” Este é um ditado sábio, que demonstra a relação direta entre emoção e ação.
“[...] quando não há uma aprendizagem, o sujeito recorre a ‘contar com os dedos’. No caso dos conflitos, isto supõe deixar-se levar pelas emoções e pelos impulsos sem nenhuma reflexão prévia, o que conduz a respostas primitivas, tais como agredir, inibir-se para agir, esconder-se no ressentimento e respostas afins.” (Sastre e Moreno, 2002)
“Todas as pessoas sentem todos os sentimentos, mas é o pensamento que escolhe o que fazer com o que se está sentindo.” (p. 26)
Professor, a leitura desse livro possibilita que o aluno saiba, por exemplo, que todos nós sentimos raiva, mas podemos decidir o que fazer com ela e escolher sentimentos que nos fazem bem.
Procure ampliar as propostas do material usando situações ocorridas em sala de aula, tomando o cuidado para não ocorrer uma exposição indevida dos alunos. Eles devem sentir-se mobilizados para deixar aflorar seus pensamentos e sentimentos.
Para superar as situações de bullying, torna-se necessário que a escola abra um espaço no qual os alunos possam falar como se sentem nos conflitos interpessoais entre pares, atribuindo valor aos outros e a si mesmos.
Para isso, faça uso do livro O menino de muitas caras, de Jonas Ribeiro e César Obeid. Nele os alunos vão perceber como o menino pequeno, um dos personagens principais da obra, desvencilhou-se das situações de vitimação. O importante é perceberem que foi a capacidade de falar sobre o que sentia que possibilitou a superação do problema.